Isto aqui é uma crítica desregrada, sem substância de crítica, meio poética, com clima paulistano. O foco principal: a peça teatral “Música para Cortar os Pulsos”.
Ontem (sábado, dia 18/12/10) sai de casa com um objetivo. Levantei, tomei café, troquei as roupas com zelo, fiz a profilaxia dentária e logo: fui. É importante ressaltar que moro em Mairiporã, e meu objetivo era ir para São Paulo. Nada de mais: já morei em São Paulo.
Continuando, vou descrever minha odisseia com algoritmos mal feitos (perdoai): peguei o primeiro ônibus; desci na estação Tucuruvi; peguei o metrô; fiz baldeação; desci na Patriarca; fui à casa do meu melhor amigo; com meu melhor amigo, peguei outro ônibus; depois, outro metrô, até a estação Anhangabaú; lá andei quilômetros, todo confuso e perdido por falta de experiência em andar no centro; encontrei o Teatro da Memória, meu local de destino; arfando – ufa.
É claro que não foi só isso, passei no meio de uma das cidades mais grandiosas e desiguais do mundo. Vi, entre a magnificência dos edifícios, os moradores de rua roendo suas camas de papelão, as prostitutas de microssaia esperando, as subculturas urbanas e seus hábitos tribais, os usuários de crack, e também os ricos. Acima de tudo (literalmente acima de tudo) chovia. Chovia leve, garoava.
Mas meu amigo e eu, tentando agirmos com fria indiferença, passamos pelo meio das gentes, da chuva, das manchas de sangue no chão e das pichações rupestres, para podermos chegar a tempo na rua tal, como é mesmo? Álvaro de Carvalho. Conseguimos achar a tal rua na base do “quem tem boca vai ao teatro”, afinal não tínhamos GPS.
Ao chegarmos, cansados, esperamos. Ou por milagre ou por velocidade, chegamos cedo. De longe dava pra ouvir um samba paulistano de primeira. Descansamos (o corpo, pois a mente estava ansiosa). Logo o teatro abriu suas portas convidativas. Entramos, esperamos mais um pouco.
Eu, particularmente, era o mais ansioso. “Cara, Mayara Constantino, Kauê Telloli, Victor Mendes, toda a galera do Tudo que é Sólido pode Derreter... Isso vai ser incrível!” eu pensava. E quem precisa de cinema 3D? Não há nada mais 3D, nada mais real life do que o Teatro, gente minha!
Bem, continuando, que me perdoem os marmanjos do elenco, mas eu estava muito mais eufórico para ver a Mayara, tamanha admiração que tenho por ela. Mayara Constantino em 3D Real Life – é... Sou fã dela desde a série Tudo que é Solido, e cheguei a versejar pra ela: “Nada haveria de belo / na triste luz do luar, / não fosse a semelhança / que ele tem com seu olhar.” Fofo né?
Se bem que, com o perdão de Mayara também, mas a peça em si é o que eu queria. A peça Música para Cortar os Pulsos tem foco em três jovens com conflitos amorosos: Isabela (Mayara) está com o coração partido; Felipe (Kauê) quer se apaixonar e Victor (Ricardo) é apaixonado por Felipe. E em meio à profundidade do enredo (enredo este que aborda o amor no seu âmago, onde ele é ainda misterioso e doído), músicas que realmente te tocam vão embalando as cenas.
Engraçado que, antes da peça começar, fiz questão de sentar-me ao lado de uma gatinha (eu, xavequeiro que sou). Mas então começou a peça, e eu esqueci da gatinha. Aliás, o espetáculo Música para Cortar os Pulsos anulou tudo que nos cercava: as gatinhas, a chuva, a desigualdade selvagem lá de fora, tudo. Exceto nossa alma: a alma do público foi escancarada e tocada de tal maneira que, ao final, todos éramos almas apenas.
Tecnicamente, a peça se divide em várias cenas, anunciadas pelos personagens; praticamente, as cenas te dividem em várias peças, sem anúncio algum. Cada cena tem seu foco, seu toque, mas todas abordam a força fundamental de toda alma humana em tal grau íntimo que...: o amor. Apesar da grandeza deste singelo tema, a peça é acompanhada do começo ao fim de um bom humor genuíno. Em certos momentos, só ríamos até doer, rsrsrs.
É claro que havia um equilíbrio, entre rosas e espinhos, entre risadas e lágrimas. Eu, por exemplo, que já vivenciei o amor, me senti muito (muito) tocado pelo espetáculo. Terminei um relacionamento faz pouco tempo, e me enchi de perguntas e sentimentos nostálgicos e culposos. Posso dizer que recomendo esta peça principalmente para pessoas sensíveis e sem medo de abordar o amor. Pois uma hora ou outra, ao longo das cenas, você há de se perguntar: Mas que droga que é o amor? Vale a pena amar? Se não vale, o que vale?
Sobre a atuação do elenco: Meu Deus. Não tenho o que dizer. Só que eles fizeram de Música para Cortar os Pulsos a melhor peça teatral que já vi na minha vida até agora. Pena que eu a vi logo em sua penúltima apresentação. Mas devo dizer que valeu a pena ficar com os pés doloridos de tanto andar calçando All Star, úmido de chuva, pela cidade. Ah! Tudo valeu a pena.
Saí do teatro calado, em transe, perdido, com os pulsos cortados. Feliz ao extremo, ainda que não houvesse mais chão para caminhar. Voltei pra casa de minha avó, lembrando-me do amor. O amor foi o foco dos meus pensassonhos durante toda a noite. No dia seguinte, domingo, voltei pra casa em Mairiporã. Estou até agora perdido em pensassonhos, em inspiração, em felicidade, eu saudade, em tudo e em nada.
Não fiques triste, leitor amigo, se você não viu esta peça, despedaçada de tão íntegra, dolorosa de tão íntima, alegre de tão destemida. Em breve sairá o filme e, talvez, uma nova temporada no teatro. Enfim, espera, que o que é bom sempre volta.
Um beijo e sinceros agradecimentos desesperados à todos aqueles que realizaram Música para Cortar os Pulsos.
E um agradecimento à você, leitor amado, que deve se perguntar: Vale a pena amar? O que vale a pena nesta vida?
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"Razão e Emoção são forças equivalentes e igualmente opostas; o equilíbrio entre ambas causa um equilíbrio cruelmente sadio entre tempestade e bonança. Ironia." - Israel Silva.
"Razão, de que me serve teu socorro? / Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo; / Dizes-me que sossegue, eu peno, eu morro." - Bocage.
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— Chega. Vou chorar e rir ao mesmo tempo. Já volto.
Blog de Musica Pra Cortar, com mais informações: http://musicaparacortarospulsos.blogspot.com/
ResponderExcluirolá,
ResponderExcluirNunca estamos sozinhos, né... assisti à primeira temporada da peça (http://maisumapalavraqualquer.blogspot.com/2010/10/musica-p-cortar-os-pulsos-nao-esperava.html), ainda lá no Sesc Pinheiros.
No último sábado, peguei meu carro andei os 135 quilômetros entre Campinas - onde moro - e São Paulo. Parei o carro na rod. Tietê. Metrô. Anhangabaú. Teatro da Memória. O resto deixo para suas descrições precisas.
Grande abraço!
Rsrsrss. Mas diz aí, foram 135 quilômetros que valeram muito a pena, não? hehe.
ResponderExcluirmuito bom, mas eu ri com a profilaxia dentária!
ResponderExcluirkkkkkkkkkkk essa foi boa ^^
ResponderExcluirNossa, como não ficar maluca de vontade de ver um espetáculo assim? Já passei por sagas assim morando em Sampa... tdo em nome da arte, do prazer de sentir, emocionar-se, comover-se, ou simplesmente rir, de forma leve e salutar.
ResponderExcluirTexto delicioso de ler, cria imagens, sensações, prende a atenção e instiga a curiosidade do leitor. Seu blog é um convite para voltar sempre, mto bom.
Até!
Obrigado Moniquinha!
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